Memória

Novos caminhos para o legado de Antonio Caringi

Preocupada em manter viva a memória do "escultor dos pampas", família desenvolve estratégias para divulgar a obra do pelotense, como trazer à tona acervo que estava guardado longe dos olhos do público

Carlos Queiroz - DP - Desde maio 2019, Antonella Caringi Aquino desenvolve projetos para salvaguardar e divulgar a extensa obra do seu avô

Há exatos quatro anos a família de Antonio Caringi (1905-1981) - conhecido como o "escultor dos pampas", representada pela neta do artista, Antonella Caringi Aquino, luta para manter viva na memória gaúcha o nome do escultor do maior símbolo material do Rio Grande do Sul, o monumento Laçador, restaurado no ano passado, em Porto Alegre. O trabalho árduo, em diferentes frentes, apresenta-se no resgate, no restauro e na divulgação do acervo do pelotense, especialmente do material que estava longe dos olhos do público. A preocupação é manter vivo esse legado cultural, que desde o ano passado tem o nome assinalado no calendário de eventos oficial do município, em maio, mês de seu nascimento e morte.

A partir de maio de 2019 Antonella começou a aprofundar conhecimentos sobre a obra do artista, buscando embasamento teórico e estudando sobre direitos autorais. O trabalho desenvolvido procura juntar todo tipo de acervo que ficou especialmente com familiares, além de trabalhos científicos desenvolvidos por pesquisadores, um material que poderá servir a outros pesquisadores e para a criação de projetos de preservação da memória de Caringi e de educação patrimonial. "Através deste trabalho, onde me faço presente representando os herdeiros do artista, grande parte das ações que envolvem as obras como no caso o próprio restauro do Laçador ou até mesmo comemorações ao entorno do Monumento ao Expedicionário dão a ele uma visibilidade um tanto adormecida", diz Antonella.

A primeira ação de Antonella foi de criar um perfil no Instagram (@escultorantoniocaringi) com o propósito de ir além dos monumentos que estão na rua. Cada novo achado é identificado, catalogado e compartilhado com os seguidores. Essa proposta também vai ao encontro de um outro sonho: criar um museu virtual e site.

O trabalho via rede social tem gerado muitos frutos, como a chegada de mais materiais, como escritos, dados e fotos. "Eu comecei a entender que não só as obras feitas no bronze, que estão nas praças, que formam a obra dele." Um exemplo é uma maquete em gesso do monumento em homenagem a Duque de Caxias, intitulada O Pacificador, uma obra audaciosa do escultor que acabou por não sair do projeto.

Para ela, somente essa maquete sustentaria uma pesquisa. O monumento foi projetado para contar a trajetória das batalhas de Caxias. "A gente tem duas maquetes produzidas, várias imagens destas obras catalogadas no livro de 1944 e isso tudo pode ser disposto ao público, por meio do Instagram."

Atualmente Antonella está trabalhando sobre um acervo de imagens das obras de Caringi, capturadas ainda nas décadas de 30 e 40. A produção de um material fotográfico de alta qualidade, que guardasse a memória da obra, era uma preocupação do artista. "Através desse material a gente consegue ver o que era a produção dele."

O acervo fotográfico foi presente do padrinho de Antonella, porém estava desorganizado, com traças e cheiro de umidade, que ela limpou com pincel, um a um. "Tenho pastas e pastas de fotografias. Era muita produção."

As centenas de imagens trazem maquetes, monumentos, hermas, cabeças e até mesmo de protótipos que não foram mais localizados. Fotografias de uma mesma obra ou proposta de obra em diferentes ângulos. O material foi higienizado, catalogado e digitalizado.

A própria preocupação do artista em registrar suas obras é motivo de estudo. "É isso que a gente tenta descobrir e que acho que a Isabel Torino vai trazer isso e eu estou curiosa. Como ele se articulava? Eles estava no Rio de Janeiro, em Pelotas, em São Paulo (locais onde tinha ateliê), como ele mandava esse material para a imprensa?", questiona.

Isabel Halfen Torino é doutoranda do Programa de Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas. A tese que ela prepara está dividida em três capítulos: o início da carreira do artista na Escola de Belas Artes de Munique na Alemanha; a obra no Brasil e no Rio Grande do Sul; Caringi em Pelotas.

Uma das preciosidades encontradas entre familiares estão desenhos do artista, rabiscos que antecederam obras. "A gente não tinha nada de desenhos. Sempre estão surgindo coisas", diz. Esse é um material que vai ainda para análise e pesquisa para depois ser divulgado.

A família também está restaurando moldes em gesso do artista, trabalho feito pelo restaurador Ricardo Jaekel, e divulgando no Instagram. Há ainda um acervo de manuscritos, palestras que ele era convidado a proferir no Brasil e na Europa, que também está sendo desvendado. "São coisas que ainda preciso cuidar, higienizar. O propósito da minha vida agora é trabalhar pela memória dele", diz a neta.

A curadora também vem fazendo uma conversa com o laboratório de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul para que seja feito o escaneamento em 3D dos monumentos de Pelotas. "Assim como foi feito o escaneamento do Laçador, seria uma forma de guardar esse patrimônio. Quem sabe escanearem monumentos como o das Mães, do Sentinela, que já está sem a lança", fala.

Produtos licenciados

Outra preocupação da família é com os direitos autorais. Apesar de achar o tema polêmico, Antonella quer ver o nome do autor de símbolos do Rio Grande do Sul, como o Laçador, identificado em objetos comerciais que utilizem imagens das esculturas criadas por ele. "Hoje (sexta-feira) recebi a notícia de que nada menos que Starbuck's usa a imagem das obras nos produtos. Meu propósito é a menção ao artista nestes produtos regido pela LDA 9610", explica. Ainda este ano serão lançados produtos lúdicos licenciados, feitos em material biodegradável.

Evento

No dia 30 deste mês, na Secretaria de Cultura, Casarão 2 da Coronel Pedro Osório, ocorrerá uma roda de conversa com visita aos monumentos da praça. A conversa será conduzida por Antonella, sobre Caringi, com participação da pesquisadora Isabel Torino. Ainda não foi divulgado o horário do evento.


Histórico do artista



O artista nasceu em Pelotas em 25 de maio de 1905, na rua General Osório próximo à Beneficência Portuguesa, filho de um imigrante italiano. Em Bagé, para onde a família se mudou, ele iniciou os estudos, mostrando aptidão para a escultura.


Em Porto Alegre, Caringi inicia a trajetória de artista, apresentando seis obras no 1º Salão de Outono, em 1925. Foi quando começou a ficar conhecido. A partir desse sucesso ele recebeu uma bolsa de estudos e vai para Munique, na Alemanha, em 1928, como adido cultural na embaixada do Brasil.


Na Alemanha cursou a Academia de Belas Artes de Munich. Lá ele começou a trabalhar com escultura monumental e a produzir duas obras importantes na trajetória do artista, uma delas é o monumento equestre do General Bento Gonçalves e o sentinela Farroupilha que está em Pelotas.


A volta para o Brasil ocorreu em 1939, quando estourou a Segunda Guerra. Em Pelotas casou-se com Mimi Osório, em 1942, com quem teve seis filhos. No Brasil ele alternava o trabalho nos ateliês que tinha em Pelotas, São Paulo e Rio de Janeiro.


Entre as obras mais importantes estão: Monumento Nacional ao Imigrante, de 1954, em Caxias do Sul, o Monumento ao Coronel Pedro Osório, de 1954, na Praça Coronel Pedro Osório, em Pelotas; Monumento ao Expedicionário, de 1957, no Parque Farroupilha, em frente ao Colégio Militar de Porto Alegre, mediante concurso público; O Laçador, de 1958, também na capital dos gaúchos.


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